Uma coisa que gosto de deixar claro no Tratamento com a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC ou tDCS) é que, assim como a maior parte dos tratamentos na área da saúde, há muitas variáveis que influenciam o resultado dela.
Há uma crença de que, por necessitarmos de um aparelho para realizar a Neuromodulação, basta colocar o aparelho ligá-lo que o paciente vai ter resultado ou não.
Mas não é bem assim não!
A ETCC é um tratamento operador-dependente.
E isso quer dizer que O RESULTADO que ela trará dependerá das escolhas que o operador (no caso o profissional da saúde) vai fazer ANTES do tratamento bem como DURANTE e APÓS o tratamento.
Quais escolhas devem ser feitas ANTES do tratamento?
A escolha do equipamento: o profissional da saúde precisa saber o que quer no equipamento que vai adquirir bem como precisa treinar e se familiarizar com o seu uso.
Escolha do alvo para estimular: o alvo é o local do cérebro que ele vai realizar a Estimulação. Teremos alvos com mais ou menos evidência de resultado para cada doença ou condição. Assim como teremos mais de um alvo possível para uma mesma doença. A escolha do alvo errado para a condição do seu paciente pode resultar em insucesso ou piora do quadro.
Uma vez o alvo escolhido, é preciso saber que tipo de Estimulação será feita: Para algumas condições há alvos que respondem bem sendo excitados e às vezes o mesmo alvo vai responder bem para outra condição sendo inibido.
Tipo de corrente: num equipamento de TDCS ou ETCC pode haver outros tipos de corrente que não a contínua. É importante escolher o tipo de corrente que tem mais evidência para o quadro a ser tratado, bem como saber manipular o equipamento para não utilizar a corrente errada.
Ter a segurança sempre como prioridade: fazer um screening de segurança (verificando contra-indicações relativas e absolutas) é imprescindível para que a técnica seja segura para o seu paciente. Além disso, há parâmetros de segurança a serem seguidos na programação do equipamento e você que irá realizar o tratamento precisa estar afiado com relação a isso.
O que influencia DURANTE o tratamento com a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua?
Durante a aplicação do tratamento há também algumas variáveis que podem influenciar nos seus resultados. Sendo elas:
A Terapia online: para alguns diagnósticos temos evidência de que a melhor resposta é obtida com a Neuromodulação não-invasiva aplicada em associação à algum tipo de terapia. Por ex: no tratamento fonoaudiológico da afasia os resultados são melhores quando se aplica a ETCC no mesmo momento da terapia fonoaudiológica.
Então o profissional precisa estar munido dessa informação para planejar a sua abordagem.
Instalação do equipamento: essa é a maneira mais óbvia de dar errado – se você não sabe onde fica o alvo, não vai saber onde aplicar. Se você não sabe montar e posicionar corretamente o equipamento, seu paciente ficará incomodado e consequentemente pode mexer nele e tirá-lo do lugar. O que fará com que o estímulo seja entregue no local errado, consequentemente não atingirá o resultado esperado.
Monitorização: Como estamos aplicando uma corrente elétrica (mesmo de baixa intensidade) é importante manter uma monitorização tanto do equipamento quanto do paciente. Para garantir que a entrega da corrente está sendo feita da maneira correta e de forma contínua, bem como garantir o conforto do paciente. Então não dá para colocar o aparelho e sair andando pela clínica!
Ligar e desligar o equipamento: alguns efeitos indesejáveis relatados pelo paciente, como fosfena ou tontura, advém de simplesmente ligar ou desligar o equipamento da maneira errada. Por isso treinar o passo a passo é imprescindível.
E o que influencia APÓS o tratamento com a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua?
Avaliação e reavaliação sistematizada: dependendo do diagnóstico que você está tratando o paciente não consegue perceber a melhora. Isso quer dizer que melhorou pouco? Não! Isso quer dizer que o cérebro dele se adaptou rápido às mudanças. Por isso, assim como você deve realizar uma avaliação e registro dessa avaliação sistematizada (ex. Com uso de escalas, gravações, etc), uma reavaliação sistematizada após o término da fase de indução e também após a fase de manutenção deve ser feita para você conseguir quantificar a melhora para o paciente e a família.
Saber o que esperar ao final das sessões: se o profissional não entender o mecanismo que ele está trabalhando para a condição do seu paciente ele não vai saber o que esperar.
Por exemplo: em quadros de dor se espera que o início da redução da dor aconteça ainda na primeira ou segunda semana de indução. Já em quadros onde o objetivo do tratamento é a cognição, como no Parkinson, o resultado mais evidente é esperado após algumas semanas do término das sessões. Mas veja que interessante, ainda na Doença de Parkinson, pensando em alvos e parâmetros para o tratamento da parte motora – que são diferentes da parte cognitiva – a melhora consegue ser percebida ali no final da fase de indução mesmo.
Troca de protocolo: como eu disse no início do texto, uma mesma condição pode ter diferentes protocolos com níveis diferentes de evidência. Então é possível pensarmos em trocar o protocolo de tratamento sim. Assim como em uma medicação, onde você altera a dose ou muda/associa o fármaco.
Mas para que você entenda se é a hora de realizar essa troca, você precisa entender o que te contei aqui no item anterior- qual é o mecanismo que você está trabalhando e qual a resposta esperada do paciente.
Eu sei que para quem está começando ou até analisando se deve começar na Neuromodulação não-invasiva pode parecer que eu quero te assustar. E veja, meu objetivo não é espantar ninguém, meu objetivo aqui é trazer informações úteis! Por isso te peço mais dois minutos de leitura:
Imagine que você quer tirar a carteira de motorista e vai comprar um carro.
Primeiro você terá aulas teóricas que abordarão as partes do carro(motor, freios, pneus), quais as coisas que ele precisa para rodar (gasolina, água, óleo), como dirigir (ligar, desligar, acelerar, freiar), quais as regras do carro que você deve seguir (não deixar o farol acesso quando não estiver usando) e quais as leis de trânsito vigente você deve seguir (limite de velocidade, não ultrapassar pela direita).
Iniciar na neuromodulação não-invasiva é a mesma coisa: você vai estudar as partes do equipamento, quais condições que você precisa seguir para o aparelho funcionar corretamente, como aplicar, quais mecanismos de ação para cada doença, quais os níveis de evidência e parâmetros de segurança.
No carro você irá praticar a direção em si e com o tempo aprenderá as peculiaridades do carro que você está treinando e das ruas por onde irá transitar.
Na neuromodulação é a mesma coisa, você irá praticar a montagem e aplicação, entenderá as peculiaridades do seu equipamento e do cérebro por onde você irá transitar.
Com seu treinamento finalizado você aprovado e com a carta de motorista em mão, você irá comprar seu carro, fazer um seguro e começar a rodar.
Na Neuromodulação não-invasiva você irá terminar seu treinamento, adquirir seu equipamento de Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua e vai começar a neuromodular seus pacientes. Mas a grande diferença é que, diferentemente do seu carro, que te fará rodar a um grande custo (gasolina, ipva, seguro, revisão, desvalorização) com a Neuromodulação é diferente.
Você fará um investimento onde você tem retorno. E o retorno é rápido! As respostas dos seus pacientes se tornarão muito mais rápidas!
É por isso que precisamos de profissionais capacitados!
Afinal, comprar um carro e tentar dirigir qualquer um poderia tentar, mas sem o passo a passo correto provavelmente você causará um acidente ou será preso.
Por isso que não basta simplesmente comprar um equipamento e sair aplicando. É preciso de um treinamento direcionado! Sem ele, as chances de chegar no lugar certo com bons resultados são mínimas.
Uma resposta
Quando haverá nova turma online e mão na massa?
Psicólogos podem fazer?