Tenho recebido muitos pedidos para falar sobre o MERT (MERT é a sigla para o termo em inglês: Magnetic e-Resonance Therapy) . E como não considero 60 segundo de stories ou um reels de 90 segundos suficiente para uma análise, resolvi tirar a poeira desse portal e escrever um aritgo. Este artigo será dividido em duas partes: a explicação do que consiste o MERT e após isso a minha análise crítica.
Parte 1: No que consiste o tratamento chamado MERT?
MERT é a sigla para o termo em inglês: Magnetic e-Resonance Therapy.
Esse método denominado MERT tem crescido no Brasil (principalmente nas indicações para pacientes com Transtorno do Espectro Autista – TEA) e isso tem gerado muita curiosidade no meio.
O Neuromodulação em Foco conversou com a Wave Neuroscience, empresa que registrou e é dona do método. E irei te contar tudo sobre ele!
Este método se baseia na leitura do EEG (eletroencefalograma) quantitativo em busca dos registros das ondas alfa de olhos abertos e fechados. Com este EEG é possível analisar a intensidade da onda, onde está a sua atividade e por onde elas se movem.
Sabemos que algumas condições neuropsiquiátricas possuem uma “marca” registrada neste tipo de ondas.
Após o EEG feito, este exame é analisado por um software da empresa e a partir disso a frequência da estimulação cerebral é definida de forma a parear com a frequência da onda alfa.
É ai que entra o tratamento em si: a estimulação cerebral é feita através do tratamento, chamado EMT ou TMS – Estimulação Magnética Transcraniana.
Foto de paciente sendo submetido ao tratamento de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT ou TMS), que é a mesma estimulação feita pelo MERT (Magnetic e-Resonance Therapy).
A empresa que “fornece” o método MERT para a clínica, envia os parâmetros de estimulação a serem feitos e então a clínica responsável pela aplicação do tratamento o realiza.
O tratamento é então realizado diariamente e a cada duas semanas um novo EEG é feito no paciente e enviado para o banco de dados da empresa e os parâmetros da estimulação são então atualizados. Esse ciclo então se repete.
Parte 2: Minha análise crítica sobre o MERT (Magnetic e-Resonance Therapy)
Vamos então a análise crítica deste deste método!
Tanto o exame chamado EEG (eletroencefalograma) quantitativo quanto o o tratamento chamado EMT ou TMS (estimulação magnética transcraniana), quem compõem o método MERT, existem há décadas.
O EEG é um exame muito utilizado para avaliação e acompanhamento de quadro neurológicos, uma vez que através dele conseguimos uma leitura da atividade elétrica cerebral. Essa atividade é registrada na forma de ondas cerebrais. Não há nada de novidade aqui.
Já a EMT ou TMS é uma forma de tratamento denominada Estimulação Magnética Transcraniana, que está dentro do grupo de tratamento denominado de Neuromodulação não-invasiva.
Este tratamento existe há décadas. Seu primeiro grande uso e indicação foi para os quadros de Depressão uni e bipolar. Possui inclusive nível A de evidência para este diagnóstico.
Ao longo de anos de pesquisas e trabalhos muito sério dos grupos de pesquisa seu uso foi sendo ampliado para outros diagnósticos.
Apesar de termos alto nível de evidência para diferentes diagnósticos, há poucos deles que são liberados pelo FDA (órgão regulatório da saúde americano). E isso acontece pois para conseguir que um tratamento seja “FDA-approved” é preciso que a empresa invista milhões de dólares (guarde bem essa informação).
Sendo assim, nos Estados Unidos, a neuromodulação não-invasiva possui aprovação do FDA para os seguintes quadros: depressão, smoke cessation (tabagismo), TOC, cefaleia, estresse pós-traumático. Essas aprovações, como dependem de injeção de dinheiro das empresas que fabricam os equipamentos, são vinculadas a um tipo de estimulação, feito por um tipo de bobina, de uma marca específica.
Muito bem, agora vamos falar de como funcionam as coisas no Brasil.
Aqui no Brasil, não temos um FDA e sim a ANVISA e o INMETRO. As empresas que vendem equipamentos da área da saúde precisam seguir uma série de trâmites e normativas para poder comercializar os equipamentos no Brasil (todos os equipamentos de EMT disponíveis no mercado são importados). Porém estes dois órgãos não analisam ou regulamentam o nível de evidência de um tratamento, portanto não é uma liberação advinda destes órgãos.
Ainda no Brasil, temos os conselhos profissionais (CRM, CFFA, COFFITTO, CRP, etc) e este órgãos regulamentam os profissional da categoria. Dizendo se eles podem ou não usar este tratamento e como deve ser sua formação na área. Aqui também não temos uma análise sobre nível de evidência, ou seja, eles não regulam para quais diagnósticos um tratamento é indicado ou não.
Dito isso, o tratamento com a Neuromodulação não-invasiva do tipo EMT está em uso no Brasil há muitos anos. E tem cada vez mais interessado pacientes e profissionais.
Eu, como pesquisador que já fui e educador na área que sou hoje, ensino como este tratamento deve ser feito, quais os passos seguimos, quais os princípios neurofisiológicos que devem ser respeitados para que ele funcione. E sim, ele funciona de forma surpreendente se feito da maneira certa.
Mas quando analisamos o que o MERT faz e promete, precisamos revisar esses conceitos.
1)O método MERT pertence a uma empresa privada e hoje ele ainda não possui aprovação do FDA lá nos Estados Unidos (país onde foi criado).
Eles estão sim em busca dessa aprovação, mas para o diagnóstico de Estresse pós-traumático (inclusive eles anunciam isso e na entrevista abaixo você verá o mesmo).
Eles não estão em busca de aprovar nada para quadros do Transtorno do Espectro Autista.
Isso em si já é algo estranho, concorda? Vamos para outra duas característica que devemos analisar.
2)A idéia de parear a frequência encontrada no EEG com a intensidade da estimulação feita pela EMT não é nova.
Essa análise advém do estudo de onda alfa individual feito pelo Professor Andrew Leuchter em pacientes com diagnóstico de depressão (The relationship between brain oscillatory activity and therapeutic effectiveness of transcranial magnetic stimulation in the treatment of major depressive disorder, 2013).
Resumidamente, o prof Leutcher investigou se haveria uma melhor na resposta ao tratamento com EMT em pacientes com depressão, se ele pareasse a onda alfa destes pacientes com a estimulação. E ele encontrou um pequeno aumento na resposta sim. Mas isso não foi algo que animasse o prof Leutcher nem a comunidade acadêmica.
E o que quero mostrar aqui é de onde se origina essa associação do EEG quantitativo com a EMT.
3)Um dos grandes questionamentos e desafios de se estimular o cérebro é termos a certeza do local que estamos estimulando
E para isso devemos realizar medições na cabeça do paciente, medições estas que são individuais e que se padronizou o seu registro em touca de tecido posicionadas na cabeça do paciente. Tudo isso a fim de posicionar a bobina no local correto e assim estimularmos o alvo correto do cérebro do paciente.
4) Protocolos
Uma busca incessante daqueles que aplicam a neuromodulação é exatamente escolher o melhor protocolo diante de cada patologia, o MERT ao analisar o EEG do paciente, envia o protocolo previamente moldados que não permitem ajustes finos no momento da aplicação.
O segredo para tornar-se um bom neuromodulador é exatamente compreender qual protocolo deve ser aplicado, onde, quando e porque. O MERT como muitos produtos americanos, elimina a necessidade do profissional neuromodulador ter que se aprofundar e estudar o assunto, ele simplesmente diz para o profissional o que fazer.
5)Fases do tratamento
O denominador comum dos tratamentos com a EMT é fazermos uma fase de indução e após isso fazermos uma fase de manutenção. A fase de indução consiste de vários dias seguis de estimulação a fim de causar a grande mudança na excitabilidade cortical. E a fase de manutenção, como o proprio nome diz, tem o objetivo de fazer a “manutenção” da melhora ou dos ganhos obtido
No Brasil não é isso que tem acontecido com o MERT: faz se uma longa fase de indução onde a cada 10-14 dias se realiza um novo EEG e baseado nesse EEG se altera (ou não) os parâmetros da estimulação do paciente. Após isso o tratamento acaba.
6)Avaliação da melhora
Aqui é onde, hoje, da forma que tem sido feito, vejo com maus olhos esse método.
O MERT não avalia de forma individualizada o quadro clínico do paciente e compara a evolução clínica (o antes e o depois). A grande preocupação do método é a avaliação do EEG. Tão pouco a decisão do protocolo de tratamento é baseada no quadro clínico, queixa/dificuldade atual do paciente, ele se baseia no EEG.
E sabemos que mudanças no EEG não querem dizer mudanças no quadro clínico do paciente. Mudanças no EEG não querem dizer MELHORA clínica.
7)Impressões da conversa que tive com eles
Já tendo trabalhado com pesquisas por muitos anos, tenho alguma bagagem para lhes explicar qual o objetivo da empresa em vender um método de tratamento que não possui aprovação do FDA para clínicas de outros países: montar um banco de dados de casos tratados, juntar uma quantidade grande do mesmo, fazer análise dos resultados dos EEGs antes e depois para pedir a aprovação do FDA.
Conclusão sobre o método MERT (é a sigla para o termo em inglês: Magnetic e-Resonance Therapy)
Eu sou um entusiasta da Neuromodulação não-invasiva e acredito que tudo que é feito para deixá-la cada vez mais precisa, cada vez mais fácil e acessível aos pacientes é válido.
E até hoje toda a evolução que tivemos na área vem de pesquisas, vem com embasamento.
Eu vejo o MERT como uma evolução comercial da neuromodulação (uma empresa privada repagiando tudo que já existe e que já é consagrado e vendendo sob um nome novo para quem não sabe) e não como uma evolução da ciência.
E já que eles já estão no mercado brasileiro, incentivo que as clínicas que estão usando esse método tem que por “o seu tempero” brasileiro: estudando cada caso individualmente e capacitando os profissionais no racional clínico em Neuromodulação não-invasiva.
Abaixo, está a entrevista que fiz com a Wave Neuroscience:
Espero que você tenha chegado ao final deste longo artigo, me conte aqui nos comentários: o que você gostaria de ler aqui no nosso portal da Neuromodulação?
Uma resposta
Eles pedem Eletrocardiograma, para quê? Sabe dizer?